”O monopólio que a Constituição garante ao Poder Judiciário é o da jurisdição. A justiça pode vir de outras formas”, comentou o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro João Otávio de Noronha, nesta terça-feira (3), durante a abertura do seminário Medidas Extrajudiciais para a Desjudicialização.
O evento foi realizado pelo Instituto Justiça & Cidadania, em parceria com o STJ, a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e o Instituto de Estudos de Protesto de Títulos do Brasil (IEPTB). Ministros do STJ, magistrados de todo o país e outros especialistas estiveram reunidos no auditório do tribunal com o objetivo de discutir a crescente judicialização e as alternativas para sua redução.
João Otávio de Noronha disse que, diante do cenário de congestionamento do Judiciário, é saudável a procura de soluções extrajudiciais, e o passo inicial deve ser a mudança do comportamento de buscar a demanda judicial como primeira opção. “Nós temos que mudar a cultura da judicialização, que tanto faz mal à Justiça”, alertou o presidente do STJ ao destacar as medidas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para estimular a redução do número de processos.
O ministro afirmou que apenas a Igreja Católica e os cartórios têm capilaridade em todas as regiões do país, o que faz da atividade cartorial um excelente aliado nos esforços de desjudicialização. Ele defendeu que a sociedade aproveite essa estrutura para a solução de problemas que não precisam chegar ao Judiciário.
Medidas concretas
O corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, declarou que, no âmbito do CNJ, tem-se trabalhado arduamente para fortalecer e aperfeiçoar a atividade notarial e registral.
Segundo o ministro, o CNJ tem procurado possibilitar que os cartórios disponham de mecanismos para a resolução extrajudicial de conflitos, como é o caso dos Provimentos 72, 86 e 87, os quais, em linhas gerais, possibilitam a recuperação extrajudicial de créditos, reduzindo a demanda do Poder Judiciário.
“Tenho verificado que os cartórios procuram sempre aperfeiçoar as suas atividades em busca de patamares de excelência na prestação de seus serviços, funcionando como mecanismo de desburocratização e proporcionando desenvolvimento econômico e social sustentável, o que me possibilita afirmar que vejo a atividade cartorária como parceira do Poder Judiciário na busca da resolução dos conflitos e da pacificação social”, afirmou Martins.
O coordenador científico do seminário, ministro Antonio Saldanha Palheiro, chamou a atenção para o fato de todos os municípios contarem com algum tipo de serviço extrajudicial, como os registros públicos, ao passo que nem todo município tem uma comarca (o país possui 2.702 comarcas para 5.570 municípios).
Essa realidade, segundo o ministro, reforça o papel dos cartórios nos esforços de desjudicialização e da busca de soluções extrajudiciais para os conflitos. “Pesquisa recente mostrou que 88% da população têm uma visão positiva dos serviços oferecidos pelos cartórios”, afirmou Saldanha Palheiro sobre a confiabilidade do serviço.
Revolução digital
O presidente da Associação dos Notários e Registradores (Anoreg), Cláudio Freire, apontou a revolução digital como marco para a transformação dos cartórios, que passaram a oferecer serviços rápidos e com potencial de contribuir para a desjudicialização. Segundo Freire, a migração de serviços do balcão para o ambiente digital é resultado dos investimentos em tecnologia feitos pelo setor.
Para a presidente do IEPTB no Distrito Federal, Ionara Gaioso, tabeliões de todo o país ficaram agradecidos ao CNJ pela publicação dos Provimentos 72, 86 e 87, já que as medidas eram aguardadas e os cartórios estão prontos para oferecer mais serviços à população, com menos burocracia.
O vice-presidente da Febraban, Isaac Sidney Ferreira, disse que, com a recuperação lenta – mas constante – vivida atualmente pela economia brasileira, os esforços para a redução do contencioso são bem-vindos. Ele destacou que o setor financeiro espera um ambiente de negócios estável, com regras claras e jurisprudência sólida, para que o país continue na trajetória de recuperação.
O presidente do Instituto Justiça & Cidadania, Tiago Salles, também participou da mesa de abertura do evento.
Recuperação de crédito
O primeiro painel do seminário, presidido pelo ministro do STJ Luis Felipe Salomão, com o tema “Medidas extrajudiciais para a recuperação de crédito”, discutiu o Provimento 72 do CNJ. Salomão ressaltou que o esforço de desjudicialização no Brasil está alinhado com as melhores práticas internacionais, e que há inúmeros exemplos bem-sucedidos já em curso no país.
O painel teve exposições do diretor da Febraban José Virgílio Vita Neto, do juiz auxiliar do CNJ Alexandre Chini e do coordenador da comissão de estudos do anteprojeto da Lei da Execução Extrajudicial, Joel Dias Figueira Junior.
Eficiência
Em seguida, sob a mediação do ministro Paulo de Tarso Sanseverino, o segundo painel tratou de “Pagamento postergado de protesto e parcelamento de dívida”. O magistrado elogiou os participantes da mesa por conseguirem expor com clareza e objetividade os principais pontos do Provimento 86, de agosto de 2019.
“Conseguiram mostrar exatamente todos os benefícios da eficiência do sistema de cobrança, aproveitando toda a estrutura dos ofícios de protesto espalhados pelo país, ensejando uma grande celeridade, com a redução dos custos de créditos e a consequente redução dos juros.”
Compuseram a mesa o juiz Fábio Porto, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), a presidente do IEPTB-DF, Ionara Gaioso, e o tabelião André Gomes Netto, do 5º Ofício de São João de Meriti (RJ).
Duplicata eletrônica
No terceiro painel, que teve como tema “Duplicatas eletrônicas e a central nacional de protesto (Provimento 87)”, os participantes destacaram, entre outras, as vantagens do sistema de duplicata eletrônica. O presidente da mesa, ministro Villas Bôas Cueva, lembrou que o instituto é bastante vantajoso para as micro e pequenas empresas, na medida em que fomenta o crédito e agrega valor ao tratamento da informação, sempre em consonância com a nova legislação de proteção de dados.
Participaram das discussões o juiz auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça Daniel Carnio; o diretor de regulação do Banco Central, Otávio Damaso, e o presidente da Central de Recebíveis (CERC), Fernando Fontes.
Resultados
O ministro Antonio Saldanha Palheiro encerrou o evento enfatizando a importância de encarar as soluções extrajudiciais de forma sistematizada e organizada, para se construir um novo sistema de atribuições extrajudiciais, com resultados modernos e eficazes.
“O seminário nos deu uma nova visão e isso, para nós, é o ponto de partida, é um desafio. Chegou a hora de começarmos a estruturar academicamente esse novo sistema das atividades extrajudiciais.”
Saldanha Palheiro também ressaltou a função dos cartórios extrajudiciais e lembrou que as medidas de resolução de demandas apresentadas no seminário – tais como as novas regras do protesto, a duplicata eletrônica e os recebíveis – tiveram como base os provimentos da corregedoria do CNJ, o que torna o caminho mais curto do que o do processo legislativo tradicional.
“Estamos vislumbrando os cartórios extrajudiciais como uma função muito maior, mais profunda e mais dinâmica, de acordo com a modernidade, para a utilização dos seus serviços e agora também com uma contribuição efetiva para a prestação jurisdicional, desafogando o Judiciário e modernizando suas práticas”, afirmou.
Fonte: STJ
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