Lei trará melhorias no crédito e no ambiente de negócios e pode reduzir a inadimplência
Os altos juros do crédito no Brasil, inclusive quando veículos ou imóveis são dados como garantia contra inadimplência, são um problema com que temos convivido há muitos anos. Dados do Banco Central mostram que a taxa de juros para financiamento imobiliário pode chegar a 26,40% ao ano e, para empréstimo de veículos, a 56,61% ao ano. Pela teoria econômica, quando o credor puder apreender um bem em caso calote, será menor o spread — que é a diferença entre o custo de capital e o valor cobrado ao consumidor pela instituição que oferece o crédito. O elevado nível dos juros finais no país, mesmo nesses casos com garantias, prejudica o crescimento econômico, o acesso a bens e aumenta o endividamento de famílias e empresas.
Para ajudar a solucionar o problema, o Congresso Nacional, com o apoio do Executivo, aprovou o projeto conhecido como Marco das Garantias. A Lei 14.711, de 30 de outubro de 2023, estabelece um marco legal para o uso de garantias destinadas à obtenção de crédito. Isso vai reduzir o custo dos empréstimos em todo o país, de maneira estrutural. Ao favorecer o uso do bem como garantia, a mudança fortalece o ambiente de negócios, permitindo a expansão da base de crédito, a maior proteção às partes e a preservação dos direitos dos envolvidos.
O Marco das Garantias vai permitir, por exemplo, o uso de um mesmo bem como garantia para obtenção de financiamento em mais de uma operação. Atualmente, não há essa possibilidade. Mesmo que esteja no fim do financiamento imobiliário, se uma pessoa quiser obter um novo empréstimo entregando a casa como garantia, ela não poderá, porque o imóvel já estará comprometido com a instituição financeira onde fez o primeiro contrato.
Outra vantagem é o estímulo aos acordos. Ora, se a inadimplência ocorre quando uma parte descumpre uma obrigação, nada melhor do que oferecer ambiente e condições amigáveis para que essas partes busquem um caminho comum. O texto permite a existência desses ambientes de negociação antes que a disputa vá parar na Justiça.
Estudos que circularam no Congresso durante as discussões sobre o tema apontaram, com base em avanços internacionais, para uma expectativa de até 30% de acordos firmados apenas com a provocação inicial do credor por um novo caminho. Uma negociação extrajudicial ultimada pode levar a acordos em outros 40% dos créditos que permanecerem em aberto após a fase inicial de negociação.
Por esses e outros caminhos, a lei irá aumentar a concorrência e diminuir as barreiras à oferta de crédito no mercado. Essas garantias reduzirão as incertezas ao credor e, com mais concorrência, espera-se que ocorra uma redução nos juros efetivos e, consequentemente, uma expansão do volume de crédito em todo o país.
Segundo dados do Banco Central, quase um terço do spread no Brasil se refere a custos com inadimplência. Ou seja, com menos inadimplência por conta das garantias, pode cair a taxa final cobrada. Em tempos de juros básicos tão altos, é mais relevante ainda debatermos formas de reduzir o custo total dos financiamentos na ponta tomadora, seja pessoa física ou jurídica. Assim, menos inadimplência significará mais crédito e, portanto, mais crescimento e desenvolvimento.
Nesse sentido, os cartórios de protesto, unificados em todo o país através de uma única central eletrônica, terão papel fundamental no sucesso do Marco das Garantias, pois serão instrumento efetivo na redução da inadimplência e melhoria do ambiente de negócios. Os cartórios já são responsáveis por garantir a autenticidade e a legalidade dos títulos e documentos de dívida, o que é fundamental para a segurança jurídica num modelo 100% digital e de absoluta imparcialidade entre credor e devedor. Com a nova lei, eles assumirão, em favor da sociedade, o grave ônus de prestar seus serviços sem recolhimento prévio de emolumentos e custas. Como instituições reconhecidas e regulamentadas pelo Estado, através da fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário, os cartórios contam com credibilidade nos serviços prestados, inclusive as negociações para tirar as disputas da Justiça comum.
Atualmente, os cartórios recuperam, em média, 65% das dívidas levadas a protesto, sem nenhum custo para o credor (aquele que levou o calote). Isso permite que pessoas físicas e jurídicas possam receber os valores a que têm direito por serviços prestados ou produtos entregues, mantendo a viabilidade econômica de suas operações, a geração de empregos, o sustento da economia e a redução do custo do crédito.
O cidadão e as empresas brasileiras merecem ganhar uma alternativa para melhorar seus problemas de crédito. Nenhuma possibilidade criada pelo Marco das Garantias vai reduzir qualquer direito judicial que as partes tenham em seguir na disputa por seus acordos originais. Mas, como diz a sabedoria popular brasileira: “quando um não quer, dois não brigam”. O novo instrumento permite que essa parte que não quer brigar ofereça uma saída satisfatória ao outro lado.
ANDRÉ GOMES NETTO – Presidente do Instituto de Estudos de Protestos de Títulos do Brasil (IEPTB)
Fonte: JOTA
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