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“Garantia de segurança jurídica a todos e o uso da fé pública em busca da verdade”

Luís Roberto Barroso, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), fala sobre a fé pública no mundo digital em tempos em que a “pós-verdade” impõe desafios inéditos ao sistema Judiciário brasileiro



Para o ministro Barroso, do STF, “o mundo digital tem desafios próprios e precisamos de meios no Judiciário para trabalharmos com a verdade”

Sob os afrescos barrocos do Salão Principal do Palácio Pamphilj, sede do Consulado Brasileiro em Roma, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso conversa com Celso Campilongo, diretor do Curso de Direito da Universidade de São Paulo (USP), enquanto se serve de canapés brasileiros ao lado do embaixador brasileiro na Itália, Hélio Vitor Ramos Filho.


O assunto, a crescente demanda do Sistema Judiciário Brasileiro em questões que envolvem ambientes online, seguiu as preocupações expostas na palestra do ministro no dia anterior, durante o Curso de Alta Formação “Os desafios do constitucionalismo digital contemporâneo”.


Para Barroso, fake News e a busca pela verdade em um mundo cada vez mais conectado se tornarão desafios cada vez mais rotineiros para os tribunais, que necessitam cada vez mais de uma abordagem contemporânea e alinhada às peculiaridades do Direito Digital. Neste clima, o ministro do STF sentou-se com a Cartórios com Você para uma conversa exclusiva sobre o papel da fé pública na internet e a presença da atividade extrajudicial na sociedade hiperconectada do Século XXI.


"Se por um lado a internet trouxe muitas coisas boas, como a democratização ao acesso à informação e ao acesso ao conhecimento, por outro lado gerou um subproduto: a abertura de espaço à desinformação, campo fértil para os discursos de ódio, para mentiras deliberadas e para teorias conspiratórias"

CcV - Qual a importância de se debater o Constitucionalismo Digital Contemporâneo?


Ministro Barroso - Nos últimos anos houve uma transformação profunda na vida das pessoas em geral, na comunicação social e na comunicação interpessoal, que foi o advento das mídias sociais. Hoje em dia, uma grande quantidade de informações, de ideias, notícias chegam ao público sem uma intermediação da imprensa profissional, que tem como papel ser um tipo de filtro entre o fato e o leitor ou espectador, utilizando-se da técnica e da ética jornalística. Essa intermediação se reduziu muito em razão da expansão das mídias sociais. Se por um lado a internet trouxe muitas coisas boas, como a democratização ao acesso à informação e ao acesso ao conhecimento, por outro lado gerou um subproduto: a abertura de espaço à desinformação, campo fértil para os discursos de ódio, para mentiras deliberadas e para teorias conspiratórias. O Constitucionalismo Digital conecta as diversas conversas do Direito para encontrar soluções a estas questões. Criar mecanismos para impedir que a internet e as redes sociais se transformem numa fonte de violação de direitos humanos e de riscos para a democracia é muito importante. Precisamos conter essas ameaças, mas ao mesmo tempo, é muito importante preservar a liberdade de expressão. O mundo inteiro está em busca desse ponto de equilíbrio nesse momento.


CcV - Em 2016 o Dicionário Oxford elegeu a “Pós-Verdade” como a palavra do ano. O estudo sugere que cada vez mais as crenças e opiniões pessoais influenciam a visão das pessoas sobre os fatos. Como o senhor avalia este movimento?


As pessoas têm direito a terem as suas próprias opiniões, mas não têm direito a ter os seus próprios fatos. Um fenômeno que está acontecendo no mundo é o uso da mentira como se fosse um instrumento legítimo da defesa de um ponto de vista. Eu posso dizer que esse problema é mais do que um problema político, é um problema ético, pois vê a verdade como um pressuposto da convivência entre as pessoas civilizadas. É preciso restabelecer a importância da verdade. É importante que mentir volte a ser errado de novo. É a possibilidade de você certificar a ocorrência de fatos em muitas circunstâncias e é indispensável. Posso citar aqui o uso da Ata Notarial como instrumento legítimo de defesa ou acusação em casos em que os “fatos” estão sob a ótica da “pós-verdade”. É uma forma de reestabelecer ordem e veridicidade à uma situação, principalmente se ela existe ou existiu em mundo digital. Volto a ressaltar aqui os crescentes desafios do Brasil com fake news e seus reflexos no cenário político do nosso país, na polarização e nas discussões online.


CcV - Sobre o atual cenário político do Brasil, como avalia o avanço de pautas consideradas progressistas, como a possibilidade da união estável homossexual e a alteração de nome social de transsexuais em Cartórios do Brasil?


Ministro Barroso - Gosto de considerar as chamadas “pautas progressistas” como “causas da humanidade”. Seja pela causa LGBT ou pelas ações afirmativas às pessoas negras. É importante cultivar o respeito a todos e suas diferenças. Portanto, se a atividade extrajudicial existe para garantir segurança jurídica à população, é importante que seus serviços atendam a todos, com direitos iguais. Garantir a união estável homossexual e a mudança de nome social, que foram os exemplos dados, são parte imprescindível do cotidiano dos agentes que praticam a fé pública notarial ou registral.


É importante cultivar o respeito a todos e suas diferenças. Portanto, se a atividade extrajudicial existe para garantir segurança jurídica à população, é importante que seus serviços atendam a todos, com direitos iguais”

CcV: Como os serviços extrajudiciais auxiliam na luta contra o discurso de ódio?


Ministro Barroso - Nós precisamos enfrentar o discurso de ódio. Acho que é uma guerra entre o bem e o mal. Ofertar segurança jurídica para toda a população, independente de cor ou orientação sexual, é uma forma de garantir direitos e cidadania, armas poderosíssimas contra os discursos de ódio. Também precisamos enfrentar a mentira. Nesta questão cito mais uma vez a Ata Notarial como instrumento de comprovação de fatos. O mundo digital tem desafios próprios e precisamos de meios no Judiciário para trabalharmos com a verdade, possível e plural. A mentira deliberada tem dono e é preciso identificá-los e repreendê-los. A naturalização da mentira faz mal para a vida em geral. Finalizo minha resposta com estes dois pontos como importantes ferramentas contra os discursos de ódio. Garantia de segurança jurídica a todos e o uso da fé pública em busca da verdade.




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